Direito das Famílias
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Sobre
A família vai muito além da construção cisheteronormativa “pai, mãe e filhos”. No Brasil a maioria das famílias, até as que não são constituídas por pessoas LGBTI+, já quebram com essa ideia — são formadas por mães ou pais solo ou “lideradas” por mães e avós.
O Direito deve abranger todas as conformações de família e falar em “famílias”, no plural, pode ser uma marca interessante para sempre lembrar dessa diversidade.
É importante lembrar que como LGBTI+ nós saímos de famílias e construímos nossas próprias. Assim, podemos nos deparar com uma série de questões legais nas quais podemos precisar de suporte. Questões como herança, casamento, divórcio, guarda dos filhos, inventário, todas nos dizem respeito também.
Herança:
Uma seguidora comentou: “minha companheira foi informada que foi excluída do testamento do pai, que nunca a aceitou como lésbica”.
Camila respondeu: Uma pessoa não pode simplesmente excluir um dos filhos, não é algo tão simples assim. Essa pessoa deve procurar auxílio de ume advogade e ir atrás de seus direitos.
Reprodução Assistida:
A reprodução assistida é um conjunto de técnicas médicas utilizadas para a facilitação da geração de uma vida em uma pessoa com útero. Pode ser utilizada por casais que encontram alguma dificuldade para engravidar, por pessoas que desejam engravidar de forma solo, casais lésbicos, transmasculinos e qualquer outra pessoa com útero.
Você pode ter acesso a esse serviço na rede pública ou privada. Na privada tende a ter um valor muito elevado. Enquanto na pública, existem apenas 12 hospitais disponíveis para esse procedimento.
Procedimento através do SUS:
. A pessoa ou casal se dirige ao posto de saúde mais próximo e manifesta seu desejo de gestar
. A pessoa ou casal devem preencher todos os pré-requisitos para estar(em) aptos para o procedimento
. A pessoa ou casal são encaminhados para o hospital mais próximo que pode oferecer o serviço
. Algumas partes do procedimento, como medicações de alto custo, podem não sair gratuitamente.
(As filas de espera podem ser bastante demoradas)
A inseminação caseira também é uma possibilidade, contudo, além do nível de eficácia ser reduzido, os reflexos jurídicos dessa última opção podem ser mais complexos.
Direitos Reprodutivos:
São os direitos da pessoa dispor do próprio corpo no que diz respeito a reprodução. Assim, é o direito da pessoa decidir ter ou não uma família, se irá gestar ou abortar, a escolha de como será o parto, ao planejamento familiar, quais métodos contraceptivos irá utilizar.
Discussões como violência obstétrica e parto humanizado também fazem parte desse tema.
Camila reforça as transformações positivas que vêm ocorrendo no SUS referente a essas questões.
Adoção:
Camila não conhecia casos de pessoas trans que adotaram, mas reforçou que os processos de adoção devem ser igualitários para todes.
Muitas vezes a pessoa ou casal também têm muitos critérios para adotarem (procuram recém nascidos, brancos, sem histórico de violência ou doenças, sem deficiência, quando a maioria das crianças no sistema de adoção têm mais de 4 anos, são pretas e com as mais variadas questões). Camila ressalta que normalmente casais homoafetivos e pessoas solo que buscam adotar costumam ter uma visão mais ampla quanto ao perfil da criança.
Para que a adoção ocorra:
. Ir na Vara da Infância e Juventude mais próxima e fazer o pedido
. Em seguida, o casal ou pessoa irá passar por um estudo psicossocial que pode ser aprovado ou não pelo Juiz
. Após a aprovação a pessoa ou o casal falarão sobre o perfil da criança que é desejada
. A partir daí serão apresentadas crianças que atendam ao perfil e pode vir a acontecer um primeiro encontro
. Nesse momento de encontro, aquele(s) que buscam adotar e a criança que pode vir a ser adotada são avaliades para que seja confirmado que está sendo algo desejado e positivo para ambos
. O passo seguinte seria a guarda-provisória, ao longo da qual também acontecem estudos para observar a adaptação. Ao final desse período, o caso chega ao Juíz, que dará uma sentença aprovando ou não a adoção
Camila ressalta que esse processo é longo e burocrático, contudo, é necessária essa análise muito cuidadosa para que a criança chegue a um lar seguro.
Barriga de substituição:
A barriga de substituição é gratuita e é entendida como a “doação” do útero, da mesma forma em que se doa um órgão. Muitas vezes é feita por amigos ou parentes. É importante que esse processo tenha algum respaldo jurídico, pois podem ocorrer algumas complicações como, por exemplo, a pessoa que gestar a criança queira ter direitos referentes a criança. Importante diferenciar a barriga de substituição da barriga de aluguel. A barriga de aluguel consiste no “aluguel” de um útero para gestar uma criança, o que é crime no Brasil (a venda ou “aluguel” de qualquer órgão no Brasil é proibida). Comentei que a proibição da barriga de aluguel talvez pudesse de alguma forma proteger mulheres/pessoas com útero de algum tipo de exploração. No entanto, Camila ressalta que mesmo que a proibição possa de alguma forma proteger disso, por trás das leis dificilmente existe algum ideal feminista ou de proteção da pessoa com útero, e essa lei foi projetada mais com a intenção de impedir movimentações mais autônomas por parte dos corpos com útero do que pensar na sua proteção.Certidão de Nascimento:
Não existem leis que obriguem a registrar duas mães ou dois pais em uma certidão, de forma que uma família fora dos moldes da heteronormatividade tem encontrado muitas dificuldades na hora do registro da criança. É um questão que acaba variando de cartório para cartório.
Comumente o percurso tem sido: a pessoa que gestou a criança faz o registro e em seguida o casal dá entrada em um processo judicial para reconhecer a outra mãe ou pai.
Nessa live não nos aprofundamos nas especificidades dessa situação para pessoas trans que não retificaram seus documentos, contudo, Camila reforçou que a retificação do nome é um direito da pessoa trans. Também acrescentou que se a pessoa retificar seu nome já tendo filhos, os filhos podem escolher ou não retificar o nome em sua certidão.
Ancestralidade:
É interessante pensar que a criação de uma criança vai além das relações com pai e mãe, ou de um pequeno núcleo familiar. Muitas vezes a criança está em relação com vários membros da família como avós, tios, e ás vezes até pessoas fora da família, como vizinhos ou membros de alguma comunidade (ex: aldeias, escola). Famílias pluriparentais são umas das várias expressões dessa dinâmica (e ela também possui direitos específicos) e na lei brasileira está escrito “família é qualquer grupo de pessoas que vivam juntas” (mas a ideia de família como uma única pessoa também está presente na lei)
Também é possível pensar a construção de família com perspectivas indígenas ou negras, perspectivas anticoloniais, rompendo com a ideia de que uma família saudável e “funcional” são as constituídas por um pequeno núcleo cisheteronormativo. No Brasil, existem as mais diversas conformações de família e de formas de cuidar de uma criança, formas que se desenvolveram a partir de modelos ancestrais e que são deslegitimados devido a colonização, que impõe o ideal cristão de “família sagrada”, sendo ela a única e a correta.
Família de uma pessoa só:
Existem direitos específicos de famílias compostas por apenas uma pessoa. É possível declarar-se como uma família de uma pessoa só para ter acesso a alguns benefícios governamentais, como por exemplo o “Minha casa, minha vida”.